Eu não li o livro de Moacyr Scliar, mas vi o filme As aventuras de Pi e percebi que já havia ouvido essa história em algum lugar.
Dias depois de assistir o filme - durante o ensaio do coral da igreja em que frequento - nosso ''professor'' comentou sobre o assunto, dizendo que a obra de Moacyr foi plágio pelo autor do filme.
O enredo é realmente parecido. Mas, pensando bem, muitas outras obras já serviram de inspiração para outros autores. Um exemplo clássico é ''O anel dos Nibelungos'' (Mitologia Nórdica) que foi inspiração para uma obra super conhecida - O senhos dos anéis - dá para acreditar?
Agora, mostrarei o enredo das duas histórias para você compará-las:
Sinopse Oficial de “Max e os Felinos”:
O alemão Max, um garoto sensível, cresceu sob a severidade de seu pai que sempre lhe incutiu medos e inseguranças. Envolve-se, mais tarde com Frida, esposa de um militar Nazista, o que faz que tenha que abandonar o país. Em meio a viagem de barco, é obrigado, graças a um naufrágio, a dividir o pequeno espaço de um barco com um imenso Jaguar, um felino que sempre lhe aterrorizou.
.Para quem assitiu/leu “Life of Pi”, já deu para perceber a semelhança. Para quem ainda não, aí vai:
Sinopse Oficial de “As Aventuras de Pi”:
Uma família de um dono de um zoológico localizado em Pondicherry, na Índia, decide se mudar para o Canadá, viajando a bordo de um imenso cargueiro. Quando o navio naufraga, Pi consegue sobreviver em um barco salva-vidas. Perdido em meio ao oceano Pacífico, ele precisa dividir o pouco espaço disponível com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre-de-bengala chamado Richard Parker.
O que aconteceu depois?
No ano de 2002, o livro publicado em 2001, “Life Of Pi”, venceria um dos mais nobres prêmios literários do mundo, o Booker Prize. A decisão já havia causado polêmica, porque o livro não possui, supostamente, tanta “desenvoltura” quanto a de seus antigos concorrentes. Porém, o maior escândalo viria à tona mais tarde: o The Guardian, um dos mais populares jornais britânicos, publicou uma matéria que mostrava a semelhança entre ambas as obras. Assim, tudo começou.
Inicialmente, Yann dissera que não havia lido o livro de Scliar, apenas uma resenha desfavorável publicada no New York Times, escrita por John Updike. Sobre isso, ele teria dito: “quis aproveitar uma boa ideia estragada por um escritor ruim”, ou variantes como “Como uma premissa brilhante pôde ser arruinada por um escritor menor.”, “Que boa ideia mal aproveitada. E se ela fosse retrabalhada por um escritor com o meu talento?”.
A declaração do escritor canadense chocou e irritou muitas pessoas, fazendo com que o próprio se desculpasse posteriormente. Mas, ele diz que foi tudo um mal entendido, pois: “Essa frase está fora de contexto. A citação faz parte de um texto disponível no site www.powells.com e é seguida por: “Pior, e se Updike estivesse errado? E se foi uma premissa brilhantemente trabalhada?” Não estava julgando nem o livro nem o autor. Estava descrevendo minha reação a uma premissa maravilhosa.” [Retirado da entrevista concedida pelo autor ao Estadão, no ano de 2002. Confira aqui ]
Ainda sobre tais fatos, as declarações da Yann perdiam, cada vez mais, a aprovação dos críticos e leitores da época, pois, a resenha que ele apontava ter lido [a de John Updike], nunca existiu. O crítico declarou que jamais havia criticado tal livro de Scliar. Aliás, a única crítica de “Max e os Felinos” publica pelo The New York Times Book Review fora escrita por Herbert Mitgang, altamente favorável à obra. Sobre o caso, Martel se justificara: “Acho que não foi Updike e também não foi no The New York Times Book Review. Fui traído por minha memória. O certo é que há mais ou menos dez anos li uma resenha num jornal norte-americano sobre o livro de Scliar.” [Retirado da entrevista concedida pelo autor ao Estadão, no ano de 2002. ]
Após tanta repercussão e críticas, Martel admitiu que inspirou-se na obra de Scliar, mas, que nunca chegara a ler realmente. A ideia do escritor brasileiro teria sido uma “uma faísca que pôs fogo em minha imaginação e me empurrou para que eu contasse minha história.”. Ele inserira, também, uma Nota do Autor em suas edições seguintes, agradecendo ao brasileiro pela “faísca” [sinceramente, não sei se esse agradecimento aparece nas edições brasileiras mais recentes. Alguém que possui o livro, por favor, nos informe nos comentários]. Além disso, ele passou a citar Moacyr em praticamente todas suas entrevistas – até porque era difícil fugir da polêmica.
Reação Inicial de Scliar
Na maioria das matérias está escrita que o escritor brasileiro esboçou uma reação pacífica – não que seja mentira – e contornou o episódio com o bom “deixa para lá”", mas, na coluna de Luiz Schwarcz, amigo pessoal e editor de Moacyr antes de seu falecimento, ele revela a primeira reação do brasileiro. Trago alguns trechos, mas, você pode conferir o texto na íntegra ao final da citação.
[Scliar] — Temos que fazer alguma coisa, tchê. Isso é plágio, Luiz. Vamos acionar advogados, uma coisa como essa não pode acontecer.[...][Luiz] — Calma, Moacyr, vou me aconselhar com advogados e ver o que é possível.Enquanto buscava me inteirar do caso, a polêmica fervia [...] Enquanto isso, os advogados diziam ser impossível mover um processo com base na apropriação de uma ideia, além do custo de uma causa internacional como esta ser altíssimo.Meu telefone continuava a tocar [...], Jamie Byng, da Canongate, querendo minha mediação no caso. Jamie é um editor de grande energia, uma figura ímpar no mundo editorial por seu empreendedorismo e criatividade [...] No telefone ele garantia a boa fé de Martel e me pedia, em conjunto com o autor, que alcançássemos uma solução pacífica. [...] Convenci Moacyr de que o processo seria inviável e propus que Martel desse uma entrevista valorizando a obra do brasileiro e se retratando das declarações infelizes. Moacyr, por seu lado, daria declarações dizendo que não moveria processo algum.
A reação de Moacyr é a mais natural possível. A coluna de Luiz não “desmitificou” a grande pessoa do escritor, apenas tornou-a maior ainda [pelo menos para mim], pois, após a primeira raiva, ele soube ponderar e escolheu aquilo que acreditava ser o melhor caminho para si.
Foi, de fato, o melhor caminho?
A coluna do Luiz também revela algo que entristece aos fãs do autor. Com toda polêmica, apareceram grandes agências literárias querendo representar Scliar.
Amigo, a ICM e outras agências querem te representar nos Estados Unidos. Apesar de tudo isso ter surgido através de um episódio lamentável, é uma grande oportunidade. Você tem que aproveitar.
Mas, a decisão do brasileiro foi manter-se com quem já o representava, pois acreditou na garantia de que ele seria recolocado em um lugar de destaque nos mercados estrangeiros, o que, segundo Luiz, jamais aconteceu. Assim, começamos a pensar naquilo que poderia ter se tornado a carreira de Moacyr, caso ele tivesse aceitado a proposta de duas gigantes do mercado. Difícil especular, mas, provavelmente, seu nome seria ainda mais lembrado, tanto no Brasil, quanto fora dela. Bem verdade que “Max e Os Felinos” teve algumas outras edições, mas, nada de muito grandioso. Ao meu ver, o agente do escritor poderia ter tirado melhor proveito da situação, exaltando o talento sincero e verdadeiro do brasileiro.
Conclusão
Para mim, Yann Martel mais do que inspirou-se na obra de Moacyr… Ele também acreditou que ninguém faria a ligação, afinal, um ‘autor qualquer’ do Brasil não seria lembrado. Mas, foi. E ele precisou dar as devidas explicações. E, quanto a isso, fico com a resposta que o próprio Scliar concedeu em entrevista à Folha no ano de 2005:
Se a gente chama de plágio a apropriação de um texto alheio que é usado ipsis litteris então a resposta é negativa: não, Yann Martel não plagiou “Max e os Felinos”, mas ele usou a idéia do livro, com um enfoque diferente. [Entrevista Completa].
Eu adoro essa, em especial, pois fica clara a elegância, mas, também, o certo ressentimento do autor. Se plágio for uma cópia integral, bem, não é plágio [até porque ninguém seria tão burro]. Mas… há passagens em Pi extremamente parecidas com a de Max. Não apenas a ideia original, ou uma e outra cena. Algumas… E aí, dizer que é plágio ou “inspiração” é apenas uma questão de polidez. Polidez, essa, que o canadense apenas passou a ter quando percebeu que o buraco era mais embaixo.
Bônus
No início da matéria, disse que possuía um amigo em comum com Scliar, o nome dele é Walther Moreira Santos, um excelente romancista brasileiro, premiadíssimo e com uma ótima venda de livros. Sobre o assunto, ele disse, em uma publicação pública no facebook:
“Conversando com o Scliar, do tempo de quando fizemos o juri do Prêmio São Paulo 2009, eu fiquei ainda mais impressionado com a elegância, a generosidade dele, do modo como lidou com essa questão triste e odiosa do plágio. Eu processaria. O Scliar deixou para lá… tenho tudo o que aprender com ele.” Walther Moreira Santos, 7 de fevereiro''